Publicação Contínua
Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

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ARTIGOS ORIGINAIS


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Síndrome pós-COVID-19 e qualidade de vida em mulheres

Mariana Lúcia Correia Ramos Costa 1; Marcela Rezende Franco 2; Mariana Menezes Costa 3; Camila Menezes Costa 4; Gabriela Carla dos Santos Costa 5; Maria Luiza de Queiroz Neta 6; Lívia Barboza de Andrade 7; Guilherme Jorge Costa 8

DOI: 10.1590/1806-9304202400000267 e20230267

RESUMO

OBJECTIVES: to determine the clinical and epidemiological profile of the long post-COVID syndrome (LPCS) and the quality of life among female survivors compared to males after hospitalization for COVID-19 in the city of Recife, Brazil.
METHODS: a prospective cohort study analyzed demographic and clinical data during hospitalization, as well as LPCS and the quality of life questionnairewhereasdata was collected by telecare at three, sixand 12 months after hospital discharge. Logistic regression was used to explore the association between variables and each dimension of the questionnaire.
RESULTS: 887 patients were included. At the end of three, sixand 12 months, women were more frequently reported with LPCS (p<0.001). Regarding quality of life, women tended to worsen over time in all domains compared to men: mobility domain (28.4% versus 9.3%, p<0.05), personal care (14.8% versus 5.6%; p<0.05), usual activities (30.8% versus 13.1%, p < 0.05), pain/discomfort (29% versus 16.9%, p<0.05) and anxiety/depression (43.8% versus 33.3%, p<0.05).
CONCLUSION: the frequency of LPCS increased and the quality of life worsened with both genders until the first year after hospital discharge, especially in women.

Palavras-chave: Long post-covid syndrome, Quality of life, Female

ABSTRACT

OBJECTIVES: to determine the clinical and epidemiological profile of the long post-COVID syndrome (LPCS) and the quality of life among female survivors compared to males after hospitalization for COVID-19 in the city of Recife, Brazil.
METHODS: a prospective cohort study analyzed demographic and clinical data during hospitalization, as well as LPCS and the quality of life questionnairewhereasdata was collected by telecare at three, sixand 12 months after hospital discharge. Logistic regression was used to explore the association between variables and each dimension of the questionnaire.
RESULTS: 887 patients were included. At the end of three, sixand 12 months, women were more frequently reported with LPCS (p<0.001). Regarding quality of life, women tended to worsen over time in all domains compared to men: mobility domain (28.4% versus 9.3%, p<0.05), personal care (14.8% versus 5.6%; p<0.05), usual activities (30.8% versus 13.1%, p < 0.05), pain/discomfort (29% versus 16.9%, p<0.05) and anxiety/depression (43.8% versus 33.3%, p<0.05).
CONCLUSION: the frequency of LPCS increased and the quality of life worsened with both genders until the first year after hospital discharge, especially in women.

Keywords: Long post-covid syndrome, Quality of life, Female

Introdução

A infeção aguda causada pelo coronavírus 2 da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV-2), causador da doença do coronavírus 2019 (COVID-19), constituiu uma grave pandemia, com mais de 775 milhões de casos confirmados e sete milhões de mortes em todo o mundo até 31 de março de 2024.1 No entanto, muitos dos sobreviventes têm relatado a persistência de sintomas para além de 12 semanas de início agudo, sem um diagnóstico alternativo, o que caracteriza a síndrome pós-COVID longa (LPCS).2

Um ano após a infeção aguda, os sobreviventes da COVID-19 ainda apresentavam um estado de saúde mais baixo do que os controles não infectados pela COVID-19, em função da idade, do sexo, das comorbidades,3,4 da gravidade da doença aguda e do sexo feminino, que têm sido os principais fatores de risco para o desenvolvimento da síndrome.4 O sexo feminino e a presença de hipertensão arterial foram os principais fatores associados à LPCS.5

Mesmo após um ano, cerca de 20% dos pacientes relataram piora significativa na qualidade de vida.2 Sobreviventes da COVID-19 aos 12 meses apresentaram mais problemas com mobilidade, dor ou desconforto, ansiedade ou depressão, e tiveram sintomas mais prevalentes do que os controles.3 Ansiedade e depressão foram os principais problemas clínicos identificados na qualidade de vida de pacientes com LPCS.2

Os pacientes brasileiros com LPCS têm sido avaliados em diferentes cenários. Fadiga, dispneia, artralgia e depressão/ansiedade foram os sintomas mais prevalentemente identificados após 12 meses.6,7 No entanto, o perfil clínico da LPCS e a qualidade de vida até o período de um ano precisam ser melhor avaliados em países em desenvolvimento como o Brasil para determinar o perfil clínico e epidemiológico da LPCS e a qualidade de vida entre sobreviventes do sexo feminino em comparação com o sexo masculino.

A frequência da síndrome pós-COVID longa e seu impacto na qualidade de vida precisam ser avaliados, por gênero, em sobreviventes da hospitalização por COVID-19. Portanto, este estudo tem como objetivo comparar os perfis clínicos e epidemiológicos de sobreviventes do sexo feminino e masculino e determinar a qualidade de vida em três, seis e doze meses após a alta hospitalar. O estudo foi realizado em um hospital de referência para o diagnóstico e tratamento da COVID-19 em Recife, Pernambuco, Brasil.

Métodos

Este estudo prospectivo analisou dados clínicos e de qualidade de vida de pacientes que receberam alta entre abril de 2020 e maio de 2021 de um hospital de referência criado para diagnóstico e tratamento de casos de COVID-19 na cidade de Recife, estado de Pernambuco, Brasil, o Hospital de Campanha Aurora (HCA), com 100 leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e 60 leitos de enfermaria.

Foram incluídos nesta coorte pacientes com idade igual ou superior a 18 anos, com alta hospitalar, confirmados como positivos para COVID-19 pelo teste de reação em cadeia da polimerase em tempo real (RT-PCR SARS-CoV-2). Os pacientes foram acompanhados até um ano após a alta hospitalar e foram dicotomizados em dois grupos por sexo: feminino e masculino. Foram excluídas as grávidas e as puérperas.

Foram avaliados os seguintes dados demográficos e variáveis epidemiológicas e clínicas: idade, etnia (categorizada em branca, parda, negra e outras), grau de escolaridade (categorizada em analfabeto, até o ensino médio, até o ensino superior ou faculdade/universidade); estado civil (dicotomizado em solteiro [divorciado, solteiro, viúvo] versus casado [casado, vivendo com companheiro(a)]), comorbidades (Hipertensão, diabetes, doença pulmonar, obesidade, doença renal e asma); Tabagismo foi avaliado em nunca, ex-fumantes e fumantes atuais. Foi também recolhida a frequência de internamentos em UCI, utilização de ventilação mecânica, vasopressores e hemodiálise.

Foram utilizadas como referência as recomendações do STROBE (Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology).

Todos os pacientes após a alta hospitalar foram convidados a participar deste estudo. Os pacientes foram avaliados aos três, seis e 12 meses após a alta hospitalar através de teleconsultas para coleta de dados clínicos atualizados e questionário de qualidade de vida. Os pacientes que informaram algum sintoma novo há mais de 12 semanas e não o tinham antes da hospitalização por COVID-19 foram considerados como tendo LPCS. Os doentes ou os seus familiares foram aceites como respondedores. As teleconsultas foram efetuadas por um de quatro profissionais de saúde diferentes, entre enfermeiros ou fisioterapeutas, após formação específica. A entrevista telefônica foi realizada utilizando o mesmo questionário padrão (Tabela 1).
 


A análise principal foi a qualidade de vida, avaliada pelo questionário EuroQol five-dimension three-level (EuroQol 5D-3L). O questionário EQ-5D-3L para avaliar a qualidade de vida relacionada com a saúde, o sistema descritivo EQ-5D-3L compreende as seguintes cinco dimensões: mobilidade, autocuidados, atividades habituais, dor/desconforto e ansiedade/depressão. Cada dimensão tem 3 níveis: 1-nenhum problema, 2-algum problema e 3-problema extremo. A soma dos níveis 2 e 3 foi utilizada para determinar a frequência de cada domínio alterado. Uma versão em português foi solicitada pela Sociedade Pernambucana de Combate ao Câncer-SPCC com o número de triagem 36973 e foi concedida pelo EuroQol em30 de julho de 2020.8

A análise dos dados foi efetuada com recurso ao SPSS versão 28.0 e apenas foram considerados os dados válidos. Foi efetuada uma análise descritiva da população em estudo utilizando medidas de média e desvio padrão para as variáveis contínuas e distribuições de frequências absolutas e relativas para as variáveis categóricas. O teste t foi utilizado para comparar as variáveis contínuas e o teste do qui-quadrado para comparar as variáveis categóricas. A análise de regressão logística foi utilizada para explorar a associação entre as variáveis e cada dimensão do EQ-5D-3L, com ênfase nos pacientes mais idosos. As variáveis que apresentaram associação com os desfechos na análise univariada, com valores de p<0,15, foram testadas sequencialmente em um modelo multivariado. As variáveis com p<0,05 foram consideradas estatisticamente significativas nos modelos múltiplos. As diferenças foram consideradas significativas quando p<0,05.

O comitê de ética do Hospital de Câncer de Pernambuco analisou e aprovou esta pesquisa (CAAE: 35243120.7.0000.5205).

Resultados

Neste estudo, 1.204 pacientes receberam alta após internação com RT-PCR positivo para SARS-COV-2 do Hospital de Campanha Aurora (HCA) entre abril de 2020 e maio de 2021. Trezentos e dezessete doentes foram excluídos porque os dados de seguimento não foram completamente recolhidos.

Ao final de 3, 6 e 12 meses, 635, 395 e 184 pacientes foram completamente avaliados pelo EQ-5D-3L, respetivamente. Assim, foram incluídos neste estudo 887 doentes diferentes. A idade média dos participantes foi de 54,58 + 16,13 anos. A maioria dos pacientes era do sexo masculino (58,1%), se autodeclarava pardo (51,6%), era jovem com menos de 60 anos (58,4%), tinha cursado até o ensino fundamental (48,2%) e estava internado principalmente na unidade de terapia intensiva (UTI) (65,2%). Em relação às comorbidades, 80,4% dos pacientes referiram alguma comorbidade: a hipertensão arterial sistêmica (HAS) foi a mais frequente 43,5%, seguida do diabetes mellitus (DM) em 23,3% e da doença pulmonar crônica em 16,2% dos pacientes. Durante a internação, a maioria dos pacientes foi admitido em ambiente de UTI (65,2%), onde o uso de drogas vasoativas foi de 10,9%, o uso de ventilação mecânica invasiva foi de 39,8%, e o uso de hemodiálise, em 34,8% dos casos. A LPCS foi identificada em 53,1% dos doentes (Tabela 2 e 3).
 

 



Comparativamente aos homens, as mulheres (41,9%) eram mais velhas (idade média 56,31 + 17,19 versus 53,33 + 15,23 anos; p=0,001), tinham menor escolaridade (p=0,011), viviam sozinhas ou sem companheiro (p<0,001) e apresentavam maior frequência de diabetes (p=0,009). Não houve diferenças significativas em relação à etnia, outras comorbidades, necessidade de internação em UTI, uso de drogas vasoativas, hemodiálise e/ou ventilação mecânica (Tabela 2).

Quando avaliados em relação à LPCS, os doentes com LPCS eram mais jovens (p=0,024) e do sexo masculino (p<0,001). Não houve diferenças significativas em relação à etnia, escolaridade, comorbidades, necessidade de internação em UTI, uso de drogas vasoativas, hemodiálise e/ou ventilação mecânica (Tabela 2). No entanto, ao final de três, seis e 12 meses de seguimento, as mulheres foram mais frequentemente referidas como tendo LPCS (59% versus 45%; p<0,001), (51,7% versus 40%; p<0,001) e (72,9% versus 59,5%; p<0,001), respetivamente. Além disso, houve um aumento da frequência da síndrome pós-covid longo ao longo do tempo em ambos os sexos, atingindo seu pico de frequência aos 12 meses de seguimento, acometendo principalmente o sexo feminino (Figura 1).
 


Em relação à avaliação da qualidade de vida pelo questionário EQ-5D-3L, observou-se uma tendência de piora da qualidade de vida ao longo do tempo, predominantemente entre as mulheres em todos os domínios: no domínio mobilidade aos três meses (9% versus 5. 7%, p=ns), aos seis meses (17 versus 6,8%, p<0,05) e aos 12 meses (28,4% versus 9,3%, p<0,05), no domínio dos cuidados pessoais aos três meses (7,7% versus 4,1%, p<0,05), aos seis meses (15,6 versus 5,8 %, p<0,05) e aos 12 meses (14,8% versus 5,6%, p<0. 05), no domínio atividades habituais aos três meses (12% versus 6,2%, p<0,05), aos seis meses (19,1 versus 8,9%, p<0,05) e aos 12 meses (30,8% versus 13,1%, p<0,05), domínio dor/desconforto aos três meses (20,1% versus 10,3%, p<0,05), aos seis meses (28. 4 versus 11,6%, p<0,05) e aos 12 meses (29% versus 16,9%, p<0,05) e o domínio ansiedade/depressão aos três meses (34,1% versus 30,8%, p=ns), aos seis meses (38,8 versus 29,1%, p=ns) e aos 12 meses (43,8% versus 33,3%, p<0,05). Por fim, verificou-se uma tendência para uma menor pontuação na escala visual analógica (EVA), cuja pontuação varia de zero (pior) a 100pontos (melhor), ao longo do tempo nas mulheres comparativamente aos homens, aos três meses (85 versus 87, p<0,05), aos seis meses (81 versus 85, p<0,05) e aos 12 meses (79 versus 81, p=ns) (Figura 2).
 


Discussão

Nesta coorte longitudinal, que avaliou os doentes sobreviventes pós-COVID por entrevista telefônica aos 3, 6 e 12 meses após a alta hospitalar, verificou-se que metade dos doentes preenchia critérios para LPCS inicialmente e foi piorando ao longo do tempo, embora tenha sido mais frequente na população feminina, percebida em até 73% ao final de 12 meses. Além disso, as mulheres tiveram maior probabilidade e chance de ter prejuízo na qualidade de vida ao longo do tempo, avaliada pelo questionário EQ-5D-3L, para todos os domínios, especialmente ao final de 12 meses. Isso torna as mulheres um grupo prioritário para avaliação, monitoramento e tratamento em programas de saúde mental e reabilitação física após o desenvolvimento de COVID-19 aguda.

As mulheres têm sido mais frequentemente afetadas pela LPCS.9,10 As mulheres têm sido frequentemente diagnosticadas com doenças autoimunes, medem níveis mais elevados de imunoglobulinas e respondem melhor a infecções e vacinas em comparação aos homens.11 As mulheres são afetadas duas a três vezes mais do que os homens pela LPCS.12 Os homens têm sido relacionados com o desenvolvimento de casos graves de doentes com COVID-19 aguda,13 mas não com LPCS. Uma metanálise demonstrou que a prevalência global de doentes internados tinha mais frequentemente COVID longa do que os doentes externos (54% versus 34%) e confirmou que os adultos do sexo feminino tinham uma prevalência e um risco mais elevados de ter uma condição pós-COVID-19 do que os adultos do sexo masculino.14 E, finalmente, a taxa de sobrevivência era mais baixa nos homens do que nas mulheres.15 No nosso estudo não houve diferenças significativas em termos de etnia, educação, comorbilidades, necessidade de admissão na UCI, utilização de fármacos vasoactivos, hemodiálise e/ou ventilação mecânica.

A vacina contra SARS-CoV2 tem sido um fator de risco para prevenir a COVID longa.16 Analisando entre profissionais de saúde, outro estudo brasileiro identificou que o sexo feminino, a idade e mais de duas infecções por COVID-19 foram fatores relacionados ao desenvolvimento de COVID longa. No entanto, os fatores de proteção foram as infecções causadas pelas variantes delta e omicron do SARS-CoV-2 e o recebimento de 4 doses de vacinas contra a COVID antes da infeção.16 Portanto, os programas de vacinação contra a COVID devem ser estimulados para a prevenção da LPCS, não apenas para reduzir a morbidade e a mortalidade por infecções por SARS-CoV-2.

Pacientes com LPCS têm relatado menor atividade física mesmo após 6 meses de início dos sintomas.17 Malik7 reitera a alta prevalência de sintomas contínuos que afetam a população, reduzindo a qualidade de vida, com grande impacto social e financeiro, necessitando de programas de reabilitação. Em nosso estudo, verificaram que as mulheres tiveram maior risco de desenvolver LPCS e com piora ao longo do tempo, numa média de 61,8% das mulheres, chegando até 73% ao final de 12 meses do estudo.

A gravidade da COVID aguda tem sido relacionada com uma maior incidência de LPCS. Os doentes mais velhos têm sido relacionados com um período mais longo de LPCS e a gravidade da COVID aguda foi o principal fator que determinou a duração dos sintomas nos casos prolongados.18 Cerca de 50% dos doentes regressam lentamente ao trabalho após a hospitalização por casos moderados-graves e críticos de COVID-19.19

Têm sido frequentemente relatadas disfunções psicológicas, tais como depressão, ansiedade, stress pós-traumático, letargia e baixo humor, que afetam a qualidade de vida do indivíduo, dificultando a realização de atividades normais.20 Assim, o LPCS tem sido muito impreciso quanto à qualidade e quantidade de sintomas, pelo que o questionário de qualidade de vida deve ser utilizado para avaliar objetivamente os doentes após a infeção por COVID-19.

As mulheres também têm apresentado um maior comprometimento da qualidade de vida após a alta hospitalar por COVID-19.21 A dimensão ansiedade/depressão tem sido a mais afetada, principalmente em pessoas de idade avançada e mulheres.22,23 O domínio ansiedade/depressão tem sido secundário não só aos sintomas persistentes, mas as mulheres estão frequentemente a cuidar da família e das tarefas domésticas, bem como a perder o emprego ou o rendimento em momentos de crise econômica.23 Além disso, os sobreviventes de COVID têm sido mais relacionados com morbilidade psiquiátrica e/ou comprometimento neurocognitivo.24

Em nosso estudo, as mulheres apresentaram maior comprometimento no questionário EQ-5D-3L, principalmente nos domínios ansiedade/depressão e atividades habituais, além de piora na autoavaliação. Dessa forma, podemos inferir que os sobreviventes após a COVID-19 devem ser substancialmente avaliados quanto à possibilidade de LPCS e/ou qualidade de vida, uma vez que esses pacientes vêm piorando progressivamente ao longo do tempo, principalmente entre as mulheres, que tem se mostrado um grupo prioritário.

A frequência de LPCS e o comprometimento da qualidade de vida têm variado muito ao longo do tempo. A LPCS tem sido relatada de forma muito inespecífica quanto ao número e tipo de sintomas,25 o que torna os dados dos estudos tão vulneráveis a enviesamentos de diagnóstico.26 Até 84 sintomas diferentes têm sido relacionados com a LPCS. Além disso, alguns estudos identificaram que a frequência de LPCS tem diminuído ao longo do tempo, os pacientes com COVID-19 também precisam ser avaliados pelo questionário de qualidade de vida, o que poderia dar mais informações sobre o impacto da doença e fornecer conhecimento sobre o tratamentoou reabilitação.27 Atualmente, novos serviços de saúde não foram criados para oferecer cuidados adequados aos sobreviventes de COVID, especialmente em mulheres, assim como programas de reabilitação específicos para cada sexo devem ser adaptados para melhorar o estado psicológico e a qualidade de vida,28 o que pode explicar o agravamento dessas situações ao longo do tempo.

No Brasil, a OMS estima que entre 2,8 milhões e 5,6 milhões de pessoas necessitarão de cuidados de saúde devido à COVID-19 prolongada, cerca de 10% a 20% dos casos confirmados.29 No entanto, não houve esforço do Ministério da Saúde em coletar dados sobre o número e o perfil das pessoas acometidas por LPCS, não houve reconhecimento do problema e sua compreensão em termos de impacto no sistema de saúde brasileiro, não foram desenvolvidos protocolos de reabilitação específicos para LPCS para diferentes grupos prioritários, fatores que dificultam o desenho de estratégias para atender a essa demanda.30 Dessa forma, é importante a triagem e compreensão específica dos pacientes pós-covid-19, em busca de protocolos de reabilitação, por uma equipe multidisciplinar, que individualizem as demandas da população.

Existiram algumas limitações deste estudo. Primeiro, a perda de seguimento dos pacientes ao longo do tempo com cerca de 30% ao final de 12 meses do grupo inicial. Segundo, os dados foram coletados de pacientes de um único hospital. E, por último, os doentes não foram avaliados quanto ao seu estado de saúde antes da COVID. Entretanto, esta coorte prospetiva avaliou dados clínicos e epidemiológicos dos pacientes sobreviventes após internação por COVID para LPCS e qualidade de vida ao final de 3, 6 e 12 meses, por meio de entrevista telefônica, modalidade de monitoramento reconhecida, de um hospital de referência, cujos resultados são expressivos e preocupantes quanto ao grau de comprometimento clínico, físico, mental e consequentemente social, principalmente entre as mulheres.

Assim, este estudo demonstrou que o desenvolvimento de LPCS e/ou comprometimento da qualidade de vida acomete uma parcela significativa dos sobreviventes após a internação pós-covid, agrava-se ao longo do tempo e as mulheres constituíram um grupo de risco. O nosso estudo também ajuda a identificar pacientes e preditores clínicos com maior impacto nas suas condições de saúde, importantes para a compreensão e gestão da LPCS. A LPCS não é específica para cada sintoma e provavelmente requer um longo período de reabilitação física, mental e social. Portanto, programas de reabilitação e políticas públicas precisam estar disponíveis e direcionados aos pacientes pós-COVID de forma abrangente e acessível, especialmente para grupos prioritários como as mulheres.

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Contribuição dos autores

Costa MLC: delineamento do estudo e metodologia, investigação, administração do projeto, coleta, análise e interpretação dos dados, redação e revisão do manuscrito. Franco MR, Costa CM, Andrade LB: suporte na metodologia e coleta e análise de dados. Costa MM, Costa GCS, Queiroz Neta ML: suporte na metodologia, investigação, coleta, análise e interpretação dos dados. Costa GJ: delineamento do estudo, metodologia, análise e interpretação dos dados, revisão do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.

Recebido em 10 de Outubro de 2023
Versão final apresentada em 19 de Julho de 2024
Aprovado em 21 de Agosto de 2024

Editor Associado: Melânia Amorim

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