A cesariana é uma intervenção que, quando bem indicada, reduz a morbi-mortalidade materna e neonatal. Entretanto, o número de cesáreas vem aumentando em todo o mundo, sem que haja, concomitantemente, melhora nos desfechos maternos ou perinatais.
1,2 Atualmente, a cesariana é a cirurgia mais realizada no mundo e o Brasil ocupa o segundo lugar no
ranking global.
1 Esse excesso de nascimentos por via cirúrgica é reconhecido como um problema de saúde pública mundial e identificado como uma epidemia, uma vez que as evidências o associam a complicações em curto e longo prazos para o binômio.
2,3Estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) realizadas em 2021 projetam números ainda maiores de cesariana até 2030.
1 Embora a magnitude das taxas de cesariana seja uma preocupação na maioria dos países, há outros com escassez do recurso e consequentes complicações pela sua indisponibilidade. Projeta-se também a manutenção dessas disparidades, apesar do aumento dessa prática cirúrgica global, o que torna o problema ainda mais complexo, visto que coexistem complicações e ônus financeiro pela subutilização e pelo uso abusivo.
4 Portanto, otimizar o uso da cesariana requer uma atenção global.
Há algumas intervenções propostas para redução das taxas de cesariana, mas, isoladamente, nenhuma delas é suficiente para solucionar o problema e muitas não foram testadas em ensaios clínicos randomizados.
4 Mais do que uma alternativa simplista, a redução da prática requer melhoria da qualidade de assistência e educação em saúde permanente, com intervenções plurais, podendo modificar
O sistema de saúde, as condutas médicas, ou serem direcionadas às demandas das mulheres ou do sistema econômico. A presença do acompanhante, o apoio contínuo individual no trabalho de parto, a indução ao parto, a versão cefálica externa e o parto pélvico planejado são algumas das possíveis intervenções clínicas para redução das cesarianas em cenários de cirurgias desnecessárias.
4Entre as estratégias não-clínicas para diminuição das taxas encontra-se a adoção do monitoramento contínuo e sistemático.
5,6 Em outubro de 2014 a OMS propôs o sistema da Classificação de Robson como padrão global para avaliar, monitorar e comparar as taxas de cesariana dentro das unidades de saúde ao longo do tempo e entre as instalações.
7 Uniformizar o modo de classificar as taxas de cesarianas facilita a realização de auditorias, viabilizando a análise e a comparação delas em diferentes configurações. Pela sua aplicabilidade, permite comparar países de realidades socioeconômicas díspares, além de permitir analisar tendências temporais.
7As categorias da classificação de Robson são totalmente inclusivas e mutuamente exclusivas, permitindo que todas as mulheres que são internadas para interrupção da gestação sejam alocadas em um único grupo. Os dez grupos da classificação consideram seis variáveis obstétricas básicas, sendo elas a paridade, presença ou ausência de cesárea prévia, forma que iniciou o trabalho de parto, número de fetos, apresentação fetal e idade gestacional, usadas rotineiramente na condução das mulheres internadas para resolução da gravidez. Por isso a classificação é considerada simples, robusta, reprodutível, clinicamente relevante e prospectiva, permitindo a análise da taxa de cesárea dentro e entre os grupos de mulheres.
7,5Esse instrumento possibilita o entendimento da contribuição específica de cada grupo para a taxa global de cesarianas e das práticas obstétricas locais, viabilizando comparações entre diferentes hospitais que atendem ao mesmo perfil de clientela. Também é utilizado para avaliar eficácia de intervenções propostas para redução de cesarianas e para avaliar a qualidade dos dados presentes em prontuários. Portanto, é indispensável a implementação do monitoramento das taxas de cesariana pela Classificação de Robson de forma sistemática e universal, objetivando a elaboração de políticas de redução de cesáreas adequadas para cada localidade e maternidade.
7,5 É necessário mergulhar no problema para entender o que permite taxas tão alarmantes e assumir que estamos indo na contramão das evidências científicas, uma vez que as melhores evidências não suportam esses números.
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https://iris.who.int/handle/10665/2595128. Mendes YMMBE, Rattner D. Cesarean sections in Brazil’s teaching hospitals: an analysis using Robson Classification. Rev Panam Salud Pública. 2021; 45: 1.
À convite da Editora Chefe: Lygia Vanderlei