Publicação Contínua
Qualis Capes Quadriênio 2017-2020 - B1 em medicina I, II e III, saúde coletiva
Versão on-line ISSN: 1806-9804
Versão impressa ISSN: 1519-3829

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Prevalência e fatores associados à deficiência e insuficiência de vitamina D em adolescentes no norte de Minas Gerais

Graciana Guerra David 1; Jeniffer Elisa Ferreira Maia 2; Otávio Castro Salgado de Freitas 3; Antônio Prates Caldeira 4

DOI: 10.1590/1806-9304202400000020 e20240020

RESUMO

OBJETIVOS: analisar a prevalência de deficiência e insuficiência de vitamina D entre adolescentes no norte de Minas Gerais, identificando fatores associados.
MÉTODOS: estudo transversal, com amostra por conglomerados de adolescentes, alocação probabilística, segundo escola, sexo e idade, em 2016. Foram avaliadas características sociodemográficas, antropométricas, hábitos de vida e alimentares, morbidades, uso de medicamentos e fatores de risco cardiovascular. Definiu-se deficiência de vitamina D para valores ≤20 ng/mL, insuficiência para valores >20 e <30 ng/mL e suficiência para valores ≥ 30 ng/mL. A hipovitaminose D (deficiência e insuficiência), foi definida para valores ≤30ng/mL. Os fatores associados foram identificados a partir da regressão de Poisson, com estimador robusto, com definição das Razões de Prevalência e Intervalos de Confiança de 95%.
RESULTADOS: foram avaliados 494 adolescentes; 57,0% apresentaram hipovitaminose D. Os fatores associados à deficiência foram a idade (p<0,001) e doença respiratória crônica (p=0,046) e os fatores associados à hipovitaminose D foram a idade (p=0,019) e o aumento no índice de massa corporal (p=0,007). Nenhuma variável bioquímica relacionada ao risco cardiovascular se manteve no modelo final.
CONCLUSÃO: foram registrados valores elevados e preocupantes de hipovitaminose D entre adolescentes, especialmente entre os mais jovens, com doença respiratória crônica e com excesso de peso.

Palavras-chave: Vitamina D, Deficiência de vitamina D, Adolescente, Fatores de risco

ABSTRACT

OBJECTIVES: to analyze the prevalence of vitamin D deficiency and insufficiency among adolescents in northern Minas Gerais, identifying associated factors.
METHODS: cross-sectional study, with a sample by clusters of adolescents, probabilistic allocation, according to school, sex and age, in 2016. Sociodemographic and anthropometric characteristics, lifestyle and dietary habits, morbidities, use of medications and cardiovascular risk factors were evaluated. Vitamin D deficiency was defined as values ≤20 ng/mL, insufficiency as values >20 and <30 ng/mL and sufficiency as values ≥30 ng/mL. Hypovitaminosis D (deficiency and insufficiency) was defined as values ≤30 ng/mL. Associated factors were identified from Poisson regression, with a robust estimator, with definition of Prevalence Ratios and 95% Confidence Intervals.
RESULTS: 494 adolescents were evaluated; 57.0% had hypovitaminosis D. Factors associated with deficiency were age (p<0.001) and chronic respiratory disease (p=0.046), and factors associated with hypovitaminosis D were age (p=0.019) and increased body mass index (p=0.007). No biochemical variable related to cardiovascular risk remained in the final model.
CONCLUSION: high and worrying values of hypovitaminosis D were recorded among adolescents, especially among the youngest, with chronic respiratory disease and overweight.

Keywords: Vitamin D, Vitamin D deficiency, Adolescent, Risk factors

Introdução

A vitamina D é um hormônio esteroide que tem papel fundamental no metabolismo ósseo por meio de sua ação em receptores específicos presentes em tecidos necessários para a homeostase do cálcio. Todavia, nas últimas décadas, a literatura tem registrado ações biológicas adicionais da vitamina D, evidenciando-se ações no sistema cardiovascular, endócrino, nervoso, imunológico e respiratório, entre outros.1 Estudos registram que a hipovitaminose D representa um problema de saúde pública mundial e afeta todas as faixas etárias.2-5

Contudo, é importante considerar que, em função da necessidade de um maior aporte de nutrientes para o crescimento e desenvolvimento adequados, as crianças e adolescentes são particularmente vulneráveis aos baixos níveis de vitamina D, ainda que não exista uma orientação rotineira para sua suplementação. A conclusão do crescimento esquelético requer produção adequada de hormônios tireoidianos, hormônio do crescimento, fatores de crescimento e esteroides sexuais, mas ao longo do estirão de crescimento da adolescência, o processo de maturação da epífise e fixação do mineral ósseo depende substancialmente dos esteroides sexuais e da vitamina D.6

Apesar de a vitamina D, em sua maior parte, ser produzida a partir da ação dos raios ultravioleta B sobre a pele, mesmo em pesquisas feitas em regiões ensolaradas de vários países, observa-se uma elevada prevalência de níveis baixos desta vitamina, reforçando a afirmativa de se tratar de uma pandemia.2,4,7,8 Existem outros fatores já conhecidos que podem influenciar os níveis de vitamina D, como por exemplo, obesidade, má absorção intestinal, pigmentação da pele, síndrome nefrótica, uso de alguns medicamentos, dentre outros.9

No Brasil, são poucos os estudos que abordam a temática da vitamina D em crianças e adolescentes. Uma metanálise geoespacial do Brasil sobre insuficiência e deficiência de vitamina D registrou prevalências de deficiência e insuficiência de vitamina D de 28,16% e 45,26%, respectivamente. A maior prevalência de deficiência de vitamina D foi observada nas regiões Sul e Sudeste e a maior ocorrência de insuficiência foi registrada para as regiões Sudeste e Nordeste. Na referida análise, somente 15,7% dos estudos incluíram a faixa etária adolescente e nenhum foi realizado no norte de Minas Gerais. Os autores alertam para a necessidade de intervenções oportunas, considerando a alta prevalência de concentrações inadequadas de vitamina D, independentemente da faixa etária.7

O Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescente (ERICA), pesquisa brasileira com adolescentes de 12 a 17 anos, que avaliou os níveis da vitamina D e fatores associados, em quatro capitais de diferentes regiões encontrou prevalência de deficiência e de insuficiência de vitamina de 21% e de 42%, respectivamente, evidenciando uma alta prevalência de adolescentes brasileiros em risco de hipovitaminose D, independente da região.5

Para o norte de Minas Gerais, uma área de transição entre o Sudeste e o Nordeste brasileiros, com elevados índices solarimétricos, não existem estudos sobre os níveis de vitamina D em adolescentes. O objetivo desta pesquisa foi analisar a prevalência de deficiência e insuficiência de vitamina D entre adolescentes no norte de Minas Gerais, identificando os fatores associados.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal e analítico aninhado a um estudo de intervenção, que avaliou a influência de um programa de atividades físicas para adolescentes. A população do presente estudo constituiu-se em escolares de ambos os sexos, regularmente matriculados no ensino fundamental e médio da rede pública da cidade de Montes Claros (MG). A cidade é o principal centro urbano da região, cuja localização registra latitude: -16.737 e longitude: -43.8647, possui uma população de cerca de 415 mil habitantes e é referência na prestação de serviços de saúde para os municípios vizinhos.

A população alvo do estudo foi formada por adolescentes escolares, estudantes de escolas públicas do município. A seleção da amostra se deu por conglomerados, com alocação probabilística das escolas e séries, a partir da distribuição espacial das escolas no município. O processo ocorreu em duas etapas, utilizando probabilidade de agrupamento. Na primeira etapa, a população envolvida foi extraída de quatro áreas da cidade. Posteriormente, identificou-se o número de escolas públicas e o número de alunos matriculados por área. Na segunda etapa, os pesos amostrais como produto de ponderação de probabilidade inversa para a inclusão de cada área foram calculados e aferidos de acordo com o número de alunos matriculados nas escolas. Em seguida, ocorreu a seleção dos adolescentes, com amostragem aleatória sistemática, com substituição, quando necessário. A representatividade da população foi considerada tendo como referência para essa proporcionalidade o número de escolares quanto ao sexo e idade. O tamanho da amostra foi estabelecido para estimar parâmetros populacionais considerando uma prevalência estimada de 50%, o que garante maior tamanho amostral. Foi estabelecido um nível de confiança de 95% e uma margem de erro de 5%. Foi feita a correção para população finita e correção para o efeito de delineamento, considerando-se um fator de 1,5.

Foram elegíveis para o estudo adolescentes e ambos os sexos, com idade entre dez e 18 anos, regularmente matriculados nas escolas selecionadas. Foram excluídos os adolescentes que, por autorrelato, apresentavam doença renal significativa, doença inflamatória, infecciosa, hepática ou hematológica, além daqueles em uso de medicações que influenciavam o perfil metabólico e/ou hemodinâmico e meninas grávidas.

A coleta de dados foi realizada no início do segundo semestre letivo, nos meses de agosto a outubro de 2016, final do inverno e início da primavera, período em que a estação climática não impede a realização de atividades ao ar livre. A equipe de coleta foi especialmente treinada e era composta por médicos, profissionais de educação física e estudantes de iniciação científica. Os adolescentes foram orientados sobre jejum de 12 horas antecedendo a coleta.

Foram utilizados questionários semiestruturados, abordando variáveis demográficas e socioeconômicas, uso de medicamentos, morbidades, hábitos alimentares e de vida. As variáveis empregadas foram definidas pelos pesquisadores com base em estudos similares. Para informações sobre consumo alimentar foram utilizados itens do recordatório alimentar. O registro de uso de medicamentos e morbidades, incluindo doença respiratória crônica, foi aferido a partir do relato dos adolescentes. O questionário foi preenchido pelos próprios adolescentes, sob a orientação dos pesquisadores.

Foram realizadas medidas antropométricas de peso e altura para cálculo do índice de massa corporal (IMC), além da circunferência abdominal, tomando-se como referência as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), e seguindo protocolos específicos de cada medida.10 Os pontos de corte para o IMC foram definidos a partir do escore z, da seguinte forma: escore z ≥ -2 e ≤ 1: normal; escore z > 1 e ≤ 2: sobrepeso e escore z > 2: obesidade. Para as análises estatísticas, o IMC foi categorizado em normal e excesso de peso (sobrepeso e obesidade). A obesidade central foi considerada a partir da medida da circunferência da cintura (CC) e os valores elevados foram considerados quando CC ≥ percentil 90.11 Houve aferição da pressão arterial (PA) que foi considerada aumentada, segundo critérios do International Diabetes Federation (IDF), quando a PA>Percentil 95 para o sexo, idade e altura ou quando a PA Sistólica ≥130 mmHg ou PA Diastólica ≥85 mmHg.11,12

Marcadores bioquímicos e de risco cardiovascular, além da vitamina D foram avaliados a partir de amostras de sangue coletadas na própria escola, por meio de punção venosa realizada por técnicos especializados, com agulhas e seringas descartáveis. Os testes bioquímicos glicose (GLI), colesterol total (CT), colesterol de lipoproteínas de alta densidade (HDL-C) e triglicérides (TG) foram realizados usando métodos enzimáticos em equipamento automatizado. Para hiperglicemia o ponto de corte considerado foi GLI ≥100 mg/dl.11 O colesterol de lipoproteínas de baixa densidade (LDL-C) foi calculado usando a equação de Friedewald. O colesterol não HDL foi calculado pela fórmula CT – HDL-c. A dislipidemia foi definida pela presença de pelo menos um dos seguintes parâmetros: CT ≥170 mg/dL, HDL-c ≤ 45 mg/dL, LDL-c ≥110 mg/dL, colesterol não HDL ≥ 120 mg/dL ou TG ≥90 mg/dL.13

Síndrome metabólica foi diagnosticada nos participantes de acordo com os critérios propostos pela IDF: (1) obesidade central (CC ≥90º percentil para aqueles de dez a 15 anos ou CC 90 cm em homens e 80 cm em mulheres para aqueles de 16 anos); (2) PAS ≥130 ou PAD ≥85 mmHg; (3) TG ≥150 mg/dL; (4) HDL-C ≤45 mg/dL para aqueles de dez a 15 anos, HDL-C ≤45 mg/dL em homens e ≤40 mg/dL em mulheres para aqueles de 16 a 17 anos; (5) Glicemia de jejum GLI ≥100 mg/dl.11,12 Participantes com obesidade central mais quaisquer dois dos outros quatro fatores foram considerados como síndrome metabólica.

A insulina (INS) e a vitamina D (VitD) foram medidas utilizando imunoensaio por quimioluminescência. Considerou-se hiperinsulinemia valores de INS ≥20 mU/L e resistência insulínica (RI) com valores calculados do HOMA-IR ≥ 3,16.14,15 Para a 25-hidroxivitamina D (25-OH vitamina D) os valores de corte para cada faixa de variação foram: deficiência para valores ≤20 ng/mL; insuficiência para valores >20 e <30 ng/mL e suficiência quando valores ≥30 ng/mL.9 É importante ressaltar que esses valores são os mesmos recomendados para adultos e utilizados em estudos similares.2,3,5-7

Não foi realizada avaliação do estadiamento puberal a partir dos critérios de Tanner, considerando a dificuldade logística da avaliação e aspectos ético-legais para o procedimento, pelo fato de que os locais de coleta não possuíam espaços privativos.

As variáveis foram analisadas com o programa estatístico SPSS (Statistical Program for Social Sciences) versão 20.0 para Windows. Após análise descritiva, foram realizadas análises bivariadas (teste qui-quadrado de Pearson ou teste exato de Fisher) e as variáveis que apresentaram níveis de significância de até 20% (p<0,20) foram avaliadas de forma conjunta por meio de regressão de Poisson, com estimador robusto. Para o modelo final, foram estimadas as razões de prevalência e respectivos Intervalos de Confiança de 95%, assumindo-se um nível de significância de 5% (p<0,05).

O projeto deste estudo foi submetido ao Comitê de Ética da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e foi aprovado com parecer nº 1.503.680.

Resultados

Participaram deste estudo 494 adolescentes, sendo que 296 (59,9%) eram do sexo feminino e 373 (75,8%) se declararam negros (cor da pele parda ou preta). A maioria do grupo avaliado (85,6%) referiu renda familiar de até três salários-mínimos. Essas e outras características do grupo são aferíveis nas Tabelas 1 e 2. Os níveis de vitamina D aferidos revelaram que 67 (13,8%) dos adolescentes apresentavam deficiência da vitamina, 209 (43,2%) apresentavam níveis insuficientes e 208 (43,0%) tinham valores considerados suficientes.
 

 



A Tabela 1 apresenta resultados da análise bivariada em relação às características sociodemográficas e hábitos de vida para os valores de deficiência de vitamina D e de hipovitaminose D (deficiência + insuficiência). A Tabela 2 apresenta os resultados da análise bivariada relacionada aos parâmetros antropométricos e metabólicos considerados como fatores de risco cardiovascular.

A Tabela 3 apresenta resultado da análise múltipla considerando todos os fatores associados até o nível de 20% da análise bivariada. A faixa etária de 10 a 14 anos se mostrou como fator associado tanto à deficiência de vitamina D, como à hipovitaminose D (deficiência + insuficiência). O registro de doença respiratória crônica também se mostrou associado à deficiência da vitamina D, e o IMC elevado esteve associado a maior prevalência de hipovitaminose D.
 


Discussão

Esse estudo avaliou os níveis de vitamina D em adolescentes de escolas públicas no norte de Minas Gerais, uma área de grandes índices solarimétricos, revelando uma importante prevalência de deficiência e insuficiência dessa vitamina. Hilger et al.2 mostram, numa revisão sistemática sobre o status da vitamina D na população mundial, que existe uma carência de estudos dessa natureza na América do Sul, com apenas um argentino e dois brasileiros. Especificamente no Brasil, um estudo de metanálise geoespacial destacou elevada prevalência de deficiência e insuficiência de vitamina D na população em geral.7

Duas outras revisões sistemáticas globais publicadas em 2013 e 2016 mostram prevalências aumentadas tanto para deficiência quanto para insuficiência de vitamina D, reforçando a afirmativa de que este é um problema de saúde pública mundial.4,16 A metanálise realizada por Palacios e Gonzalez,16 em especial, avaliou grupos de risco para essa questão e aponta os adolescentes como sendo um dos grupos de risco a serem monitorados. Avaliando apenas estudos de prevalência de amostras representativas, os autores concluíram que a ocorrência de baixos níveis de vitamina D é um problema global em todas as faixas etárias, destacando ainda uma impressionante falta de dados em crianças e adolescentes em todo o mundo.16

Para o estudo ERICA, os autores registraram que também no Brasil existe uma elevada prevalência de deficiência e insuficiência da vitamina para a população adolescente, independentemente da região avaliada. A hipovitaminose D foi positivamente associada ao sexo feminino, às latitudes, à época de coleta de dados, cor da pele (não brancos) e alunos de escolas particulares. É importante registrar que o presente estudo apresentou correspondência com os níveis de hipovitaminose D apurados no estudo ERICA, reiterando a situação crítica de baixos níveis de vitamina D.5

Em uma pesquisa nacional, realizada a partir de grande amostra de dados laboratoriais constatou-se que na faixa etária adolescente a porcentagem de indivíduos com vitamina D <20 ng/mL alcançou valores de 13,4% e 12,6% no sexo masculino e feminino, respectivamente, o que significa um aumento de mais do que o dobro quando comparada com a faixa etária infantil.17 O presente estudo não permite a comparação por faixas etárias ao longo da vida, mas a prevalência para os mesmos níveis de vitamina D nestes adolescentes são similares e expõem um comprometimento sério para este grupo de risco. Destacando a magnitude do problema em adolescentes australianos, um estudo registrou prevalência um pouco maior do que as observadas neste estudo para a deficiência de vitamina D, de 17,0% e ainda mais acentuada para a hipovitaminose D, de 65,0%.18

Em um estudo mais recente de metanálise, os autores reuniram 308 estudos que investigam a prevalência de deficiência de vitamina D em análises de base populacional de 2020 até 2022, referentes a 81 países. Globalmente, foram registrados níveis de deficiência e de insuficiência para 15,7% e 47,9% da população, respectivamente. Os autores destacam que os valores são preocupantes, considerando que baixos valores de vitamina D aumentariam a carga global de doenças e que os governos devem considerar sua prevenção como uma prioridade de saúde pública.19

Existe uma considerável divergência na literatura sobre os fatores de risco para a hipovitaminose D, que envolve aspectos ambientais, características biológicas, demográficas, hábitos alimentares, entre outros.4,5,8,19-21 Neste estudo, as variáveis avaliadas sexo, cor da pele, renda familiar, atividade física, uso regular de protetor solar e consumo satisfatório de carne, ovos, leite e derivados não se mostraram associadas aos baixos níveis de vitamina D. É possível que, pelo menos parte dessa discrepância observada seja decorrente da uniformidade de participantes do estudo, já que todos foram oriundos de escolas públicas e apresentam condições socioeconômicas muito similares.

Os resultados registraram associação entre baixos níveis de vitamina D e faixa etária, com predomínio na fase inicial da adolescência (adolescentes entre dez e 14 anos) tanto para deficiência quanto para hipovitaminose D. Não se trata de uma variável sistematicamente avaliada em outros estudos. Todavia, outro estudo nacional, numa região ensolarada do nordeste brasileiro, apesar de ter sido realizada em adolescentes com excesso de peso, apresentou o mesmo comportamento em relação à faixa etária deste estudo, manifestando melhora progressiva da prevalência de hipovitaminose D na medida em que a idade dos adolescentes avançou.22 A metanálise de Hilger et al.,2 que comparou as variações dos níveis de vitamina D em todo o mundo e avaliou as diferenças por idade, sexo e região geográfica não encontrou diferenças relacionadas à idade.2

Outro fator associado aos baixos níveis de vitamina D no presente estudo foi o relato de doença respiratória crônica nos adolescentes. Em revisão sobre os efeitos extra esqueléticos da vitamina D, os autores salientam os efeitos deste micronutriente na modulação da função dos linfócitos B e T, seu impacto nas vias inflamatórias, e relacionam a deficiência da vitamina com aumento no risco de infecções respiratórias, piora da função pulmonar, exacerbação das crises de asma e piora no prognóstico dos pacientes com asma.23,24 Na China, pesquisadores reforçaram essas observações e explicam que a forma ativa da vitamina exerce seus efeitos fisiológicos ao se ligar com os receptores específicos que estão amplamente distribuídos nas células epiteliais respiratórias e células imunes (células B, células T, macrófagos e monócitos). Esses receptores regulam a transcrição de diversos genes relacionados à imunomodulação e inflamação.24

A hipovitaminose D tem sido relacionada a desvios do metabolismo, em especial ao metabolismo de carboidratos e síndrome metabólica (SM). Neste estudo, nenhum marcador bioquímico de risco cardiovascular se mostrou associado à hipovitaminose D. Numa revisão sobre os efeitos extraesqueléticos da vitamina D os autores apresentaram vários estudos que constataram associação entre baixos níveis dessa vitamina com o Diabetes Mellitus e a SM, mas também mostraram alguns estudos com resultados conflitantes.25 Efetivamente, o papel da deficiência de vitamina D em várias doenças extraesqueléticas do ponto de vista molecular, particularmente em relação à síndrome metabólica, ainda carece de melhor compreensão e de novos estudos.

O IMC quando em valores compatíveis com obesidade ou sobrepeso, neste estudo considerados em conjunto como excesso de peso, mostrou-se associado à hipovitaminose D mas não apresentou associação estatisticamente significante com a deficiência da vitamina. Um estudo brasileiro que pesquisou a associação de fatores de risco cardiometabólicos com a hipovitaminose D no Nordeste do Brasil avaliou 125 adolescentes, registrando uma frequência de hipovitaminose D de 45,6%. As variáveis que se mostraram associadas à hipovitaminose foram pressão arterial acima do percentil 95, peso corporal e insulina em jejum.22 Os resultados são congruentes para o presente estudo apenas em relação ao excesso de peso, todavia é relevante destacar que o número do referido estudo foi significativamente menor e baseado em uma amostra de conveniência.

Outro estudo brasileiro utilizando uma faixa etária adolescente discretamente maior também (de 15 a 19 anos) encontrou alta prevalência de hipovitaminose D, de 57,3% na população estudada como fator independentemente associado ao excesso de peso somente no sexo masculino.26 Um estudo internacional para definição dos padrões de excesso de peso e obesidade entre crianças e adolescentes no mundo, na qual a população infantil brasileira também foi avaliada, mostra que para ambos os sexos há um pico no coeficiente de variação do IMC na puberdade.27 Sendo a faixa etária deste estudo púbere, essa evidência reforça a hipótese de que a menor biodisponibilidade observada de vitamina D em indivíduos com obesidade pode ser atribuída, entre outros fatores, ao sequestro desta no tecido adiposo.22,28 Os resultados de estudos já realizados apresentam evidências que sugerem que, além de a obesidade estar relacionada com o armazenamento da vitamina D nos adipócitos levando à redução de sua biodisponibilidade, o tecido adiposo apresenta menor expressão das enzimas responsáveis pela hidroxilação da vitamina D, bem como especificamente da 1-α-hidroxilase, o que pode causar um comprometimento de suas atividades na obesidade.26

Quanto aos outros fatores de risco cardiovascular, as variáveis bioquímicas e metabólicas, que incluem o cálculo do índice HOMA e/ou o diagnóstico de síndrome metabólica, também não se mostraram estatisticamente associados à hipovitaminose D (deficiência e/ou insuficiência) nesta pesquisa. Essa é uma relação ainda pouco clara na literatura, com estudos que apresentam resultados conflitantes. Em estudo australiano iniciado em 1989 e publicado em 2016, os autores investigaram em adolescentes e adultos jovens as associações prospectivas entre as concentrações séricas de vitamina D e fatores de risco, tais como IMC, resistência à insulina, HDL-colesterol, triglicérides e pressão arterial sistólica, tendo evidenciado que as concentrações séricas da vitamina D foram inversamente associadas ao IMC e resistência à insulina, sugerindo um benefício cardioprotetor no aumento dos níveis da vitamina.29

Por outro lado, estudo realizado na China com 2680 crianças e adolescentes revelou que baixos níveis de vitamina D estavam associados à obesidade, mas a nenhum outro fator de risco cardiovascular.30 Também em outros estudos realizados no Brasil, os autores não observaram associação entre dislipidemia ou resistência insulínica com os níveis de vitamina D.22,26 Ainda que os outros fatores de risco cardiovascular não tenham mostrado associação com a hipovitaminose D neste estudo, a presença de significância estatística desta com o aumento no IMC, por si só, merece atenção e um melhor entendimento sobre o assunto já que níveis aumentados do IMC nas crianças e adolescentes são diretamente relacionados com o aumento de doença coronariana na vida adulta.

Os resultados deste estudo devem ser considerados à luz de algumas limitações. O grupo estudado é relativamente homogêneo em relação às características socioeconômicas, considerando que todos foram alocados a partir de escolas públicas. Várias informações que são pertinentes ao tema, como atividade física, dieta, entre outras, foram registradas a partir do relato dos adolescentes, sem utilização de instrumentos mais válidos e precisos ou medidas de controle. Neste sentido também, destaca-se que nenhuma aferição direta do tempo de exposição solar foi registrada, bem como o uso de roupas e/ou acessórios de proteção solar. Adicionalmente, a coleta das amostras de sangue foi realizada na mesma época do ano, apesar da ausência de estações climáticas bem definidas na região, que poderiam justificar comportamentos de maior ou menor exposição solar em ambientes abertos. Finalmente, é importante registrar que, embora os pontos de corte utilizados sejam os mesmos de outros estudos, esses valores são também são utilizados para adultos, sendo possível que adolescentes tenham concentrações diferentes da vitamina D.

Apesar dessas limitações, considerando a carência de estudos regionais, os resultados são relevantes porque revelaram uma condição crítica, que era desconhecida para a região, para um grupo populacional particularmente mais vulnerável, os adolescentes de escolas públicas. Os resultados gerados servirão de base para outros estudos e para orientação de gestores e profissionais da saúde na definição de políticas públicas de saúde e abordagens na mudança dos hábitos de vida dessa população.

O presente estudo avaliou simultaneamente fatores associados tanto à deficiência de vitamina D, como à hipovitaminose D (deficiência + insuficiência), registrando que a doença respiratória crônica se mostrou associada à deficiência, mas não à hipovitaminose D, enquanto o aumento no índice de massa corporal se mostrou associado a hipovitaminose D, mas não à deficiência. Esse resultado ressalta que as ações da vitamina D para além do sistema esquelético ainda carecem de maiores estudos. Por outro lado, existe ainda a necessidade de padronização dos níveis séricos da vitamina D para o grupo avaliado, tanto do ponto de vista clínico, como para estudos epidemiológicos.

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Contribuição dos autores

David GG: elaboração do projeto, coleta e análise dos dados, elaboração e revisão do manuscrito. Maia JEF e Freitas OCS: análise dos dados, apoio à revisão da literatura, elaboração e revisão do manuscrito. Caldeira AP: elaboração do projeto, análise de dados, elaboração e revisão da literatura e coordenação geral da pesquisa. Todos os autores aprovaram a versão final do artigo e declaram não haver conflito de interesse.

Recebido em 27 de Janeiro de 2024
Versão final apresentada em 21 de Agosto de 2024
Aprovado em 23 de Agosto de 2024

Editor Associado: Pricila Mullachery

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